MATO GROSSO DO SUL, Brasil - Em um dia de sol escaldante no final de agosto, Will Turner olhava através de uma estrada empoeirada, vermelha como Marte, para a margem de uma floresta densa – o topo das árvores cheio de vida com o zumbido de insetos e pássaros barulhentos. Essa floresta no sul do Brasil é um oásis - um remanescente de um ecossistema quase esquecido em uma região hoje dominada por pastagens degradadas.
Atrás dele, no lado oposto da estrada, havia algo totalmente diferente: um mar de eucaliptos, recentemente plantados e já com um metro e meio de altura. Essas árvores, notáveis em sua uniformidade, são clones. Décadas de ajustes resultaram em um cultivo intensivamente controlado que abastece o mundo com uma fonte essencial e sustentável de madeira.
Mas a natureza deixou sua escolha perfeitamente clara: entre os eucaliptos não há zumbido de insetos ou cantos de pássaros - apenas silêncio. No entanto, o destino dessas duas paisagens distintas, floresta nativa e a fazenda de silvicultura, está entrelaçado. O que era uma enorme área de pastagem degradada há apenas alguns meses está sendo rapidamente transformada em uma fazenda de silvicultura e em mais de dois mil hectares de floresta nativa recém-restaurada.
EM UMA PAISAGEM DOMINADA POR PASTAGENS DEGRADADAS, A NATUREZA SE AGARRA PARA SOBREVIVER EM PEQUENOS BOSQUES FRAGMENTADOS. © FLAVIO FORNER
Esse é o "Projeto Alfa". Localizado no estado brasileiro do Mato Grosso do Sul, ele tem como objetivo proteger e restaurar a natureza em uma área com aproximadamente 9 mil hectares - e encontrar novas maneiras de financiar a conservação e restauração. Concebido pelo BTG Pactual Timberland Investment Group (TIG), com a ajuda da Conservação Internacional, o projeto reuniu dois grupos que costumam ser vistos como adversários naturais: conservacionistas e madeireiros.
"É fácil fazer um julgamento rápido sobre o plantio de espécies exóticas em qualquer lugar fora de sua área de distribuição, como o eucalipto da Austrália", disse Turner, cientista da Conservação Internacional. "Mas não é por meio de um julgamento precipitado que resolveremos as mudanças climáticas e salvaremos a biodiversidade. Precisamos testar o que realmente funciona. Esse é um compromisso muito sério para melhorar a maneira como gerenciamos a natureza em propriedades privadas."
E essa propriedade é apenas o começo. Nos próximos cinco anos, o TIG planeja garantir US$ 1 bilhão de investidores para plantar, conservar e restaurar cerca de 275 mil hectares de terras degradadas no Brasil, Uruguai e Chile. Ao fazer isso, eles planejam capturar durante 15 anos cerca de 32 milhões de toneladas de carbono que aquecem o clima, o equivalente a tirar 470 mil carros das ruas.
Metade da terra adquirida pelo TIG será protegida ou restaurada de volta ao seu estado natural e reservada para conservação, enquanto a outra metade será plantada com espécies comerciais, como o eucalipto. Não se trata apenas de uma troca, em que as atividades comerciais financiam a conservação, o plano representa um sistema unificado em que a restauração da natureza proporciona valor agregado aos investidores por meio da venda de créditos de carbono, enquanto a receita da madeira certificada de forma sustentável ajuda a financiar o monitoramento contínuo e a proteção da floresta nativa.
"Estamos na linha de equilíbrio entre a produção econômica e a proteção ambiental", disse Turner, apontando para o meio da estrada. "É um ato de equilíbrio que pode levar a resultados positivos para as pessoas e a natureza nesta região - se conseguirmos fazer isso direito."
O custo da restauração
A estrada para o “Projeto Alfa”, partindo de Campo Grande, segue em direção ao norte por centenas de quilômetros de pasto degradado para gado. A erosão perfura o terreno, abrindo canais profundos na terra vermelha, a vitalidade do pasto definhou sob o uso excessivo.
Nem sempre foi assim.
Há meio século, o sudoeste do Brasil era um mosaico de florestas fechadas, bosques abertos semelhantes a savanas, vastas pastagens e áreas úmidas. Essa região, conhecida como Cerrado, possui uma biodiversidade notável, abrigando 5% das espécies do mundo, incluindo mais de 1,6 mil mamíferos, aves e répteis, além de mais de 10 mil espécies de plantas - quase metade das quais são exclusivas dessa região.
"Muitos presumem que a floresta amazônica é o ecossistema mais ameaçado do Brasil, mas, na realidade, o Cerrado está ainda mais ameaçado", disse Rachel Biderman, que lidera o trabalho da Conservação Internacional nas Américas. "Enquanto a Amazônia perdeu cerca de 13% de sua área, o tamanho total do Cerrado foi reduzido pela metade."
UM TAMANDUÁ-BANDEIRA CAMINHA AO LONGO DA BORDA DA FLORESTA, PASSANDO POR UM CAMPO DE CAPIM BRAQUIÁRIA. © WILL TURNER
Partes substanciais do Cerrado foram substituídas pela braquiária, uma espécie de capim exótico africano introduzido para o pastoreio de gado. E, embora a braquiária tenha ajudado o Brasil a se tornar o maior produtor de carne bovina do mundo, anos de excesso degradaram as terras do país em uma escala difícil de compreender: De acordo com algumas estimativas, 60 milhões de hectares de pastagens de braquiária no Brasil estão sofrendo algum grau de degradação - uma área com quase metade do tamanho do vizinho Peru.
"Pouquíssimas culturas crescerão nesse solo", disse Biderman. "E, por causa disso, quase ninguém está disposto a fazer investimentos para tornar essa área novamente apta ao cultivo - é simplesmente muito caro."
Mas restaurar essa terra degradada de volta ao Cerrado é ainda mais caro.
Nos últimos anos, uma avalanche de campanhas de marketing bem-intencionadas popularizou a ideia de que a restauração florestal pode ser feita por apenas R$ 5 por árvore, às vezes menos.
A restauração requer a atuação em toda uma paisagem e ao longo de décadas: plantar as árvores certas no lugar certo, trabalhar com as comunidades locais, monitorar as condições para garantir que as mudas sobrevivam. Além disso, há a questão da conservação das florestas restauradas. Os custos reais podem chegar a milhares de dólares por hectare.
WILL TURNER OUVE MÁRCIO CONCEIÇÃO E MARK WISHNIE, DO TIG, EXPLICAREM O PROCESSO DE PLANTIO DO EUCALIPTO. © TATIANA SOUZA
O alto custo da restauração reflete um desafio mais amplo: não há nem de longe dinheiro suficiente disponível nas fontes tradicionais - governos, multilaterais e filantropia - para restaurar a natureza na velocidade e na escala necessárias para reduzir as mudanças climáticas.
Os cientistas do clima demonstraram que pelo menos 30% das metas climáticas da humanidade podem ser atingidas por meio da proteção e restauração da natureza, mas atingir essa meta significa restaurar 200 milhões de hectares nos próximos sete anos. Essa é uma escala monumental - aproximadamente a área de todas as florestas dos Estados Unidos.
Mas uma solução surpreendente está no horizonte - uma solução que poderia injetar US$ 1 bilhão nessa meta.
Velocidade e escala
Um ano depois que o Timberland Investment Group - de propriedade do maior banco de investimentos da América Latina - adquiriu a terra para o “Projeto Alfa”, essa extensão de pastagem de gado severamente degradada está agora pronta para incluir o maior projeto de restauração no Cerrado da história.
A área de restauração se estende a partir de um fragmento de floresta do Cerrado existente e segue o curso da bacia hidrográfica. Aqui, a floresta está se regenerando naturalmente, se fechando à medida que as espécies nativas recuperam gradualmente a terra. A vegetação é persistente, com camadas de flores aparecendo em meio ao capim braquiária amarelado, que ainda domina a paisagem mais ampla.
AS MUDAS DE EUCALIPTO PODEM ATINGIR ATÉ 21 METROS DE ALTURA EM MENOS DE SETE ANOS. © WILL TURNER
De acordo com a legislação brasileira, os proprietários de terras privadas no Cerrado devem reservar 20% da propriedade para manter a vegetação nativa. O TIG, no entanto, comprometeu-se a restaurar e proteger 50% da área do projeto, abrindo, assim, um fluxo de receita adicional para financiar o projeto e gerar maior impacto, em escala: a venda de créditos de carbono.
Os créditos de carbono resultam de iniciativas que removem ou evitam emissões de gases de efeito estufa e podem ser adquiridos por empresas para fortalecer seu impacto climático e equilibrar as emissões em outras áreas. Os poluidores dos países desenvolvidos podem comprar e comercializar créditos com a receita sendo paga aos proprietários de terras nos países em desenvolvimento como um incentivo para que suas florestas cresçam novamente e sejam mantidas em pé.
O TIG tem como objetivo gerar créditos de carbono tanto da fazenda de silvicultura quanto do esforço de restauração.
"A fazenda de silvicultura é capaz de ajudar a pagar pela restauração porque é realmente uma relação recíproca", disse Mark Wishnie, diretor de sustentabilidade e chefe de investimento de impacto do TIG. "Uma compensação de uma fazenda de silvicultura - que acaba sendo colhida e replantada - tem um valor monetário menor do que uma compensação de restauração. Portanto, a inclusão da restauração do Cerrado aumenta a qualidade e a quantidade de captura e armazenamento de carbono no projeto, tornando os créditos de carbono mais valiosos."
"Ao longo dos anos, executamos com sucesso centenas de milhares de hectares de projetos de reflorestamento", disse Wishnie. "Isso significa que nossas operações são bem compreendidas e, portanto, podem ser investidas por grandes investidores institucionais. Podemos obter muito mais financiamento para a restauração combinando-a com a produção de madeira do que conseguiríamos isoladamente."
Conforme os acordos legais com esses investidores, o TIG tem um período limitado para investir esse dinheiro, o que significa que eles são motivados a operar em uma velocidade e escala que não seriam possíveis em um projeto somente de restauração.
Em um solo degradado, onde quase nada irá crescer, o eucalipto está prosperando, crescendo mais rápido e mais alto do que em sua terra natal, a Austrália. Esse é o resultado de décadas de cultivo controlado, envolvendo a seleção cuidadosa de árvores para garantir a uniformidade, o crescimento rápido e a excelente qualidade da madeira.
Em apenas quatro meses, o TIG colocou 1,9 milhão de mudas de eucalipto no solo.
O processo é uma linha de montagem de precisão, com trabalhadores espalhados pela fazenda, depositando mudas idênticas em intervalos exatos. No segundo mês, as árvores atingem a altura de um bebê; no sexto, de um adulto. Em sete anos, elas estarão prontas para serem cortadas e replantadas - embora o TIG opere em um ciclo de crescimento de longa rotação, esperando até 15 anos para colhê-las. Esses anos extras resultam em uma árvore maior, que não é apenas um produto mais versátil, mas também um produto que armazena mais carbono, tanto enquanto está viva quanto depois de ser cortada.
"O período de crescimento prolongado resulta em toras maiores, adequadas para produtos de madeira sólida, como móveis, que continuam a armazenar carbono por muito mais tempo do que se cortássemos as árvores mais cedo e as usássemos para produtos de papel", disse Wishnie.
"Para nós, isso é mais do que gerar créditos de carbono - consideramos todo o processo de produção parte da solução climática.
O retorno do Cerrado
Sob o sol da tarde, Miguel Moraes observava o trabalho em andamento no “Projeto Alfa” pela janela da caminhonete.
Como ecologista de plantas da Conservação Internacional, ele trabalhou nos últimos 10 anos na elaboração de projetos de restauração no Brasil - e está garantindo que o trabalho do TIG siga a ciência da conservação.
"Estamos sendo muito cuidadosos para garantir a proteção das áreas superiores da bacia hidrográfica", disse Moraes, apontando para um corredor de Cerrado em rápida regeneração. "Por lei, esse rio deve ter uma zona de amortecimento de 30 metros de vegetação natural em ambos os lados, para evitar o escoamento. Em vez disso, estamos instalando tampões de 200 metros de cada lado, 400 metros de ponta a ponta - quatro campos de futebol."
A ÁREA DE RESTAURAÇÃO FOI PROJETADA PARA MANTER O RIO LIVRE DE CONTAMINANTES E CRIAR UM CORREDOR SEGURO PARA A VIDA SELVAGEM. © FLAVIO FORNER
Essa passagem protegida não apenas controla o fluxo de sedimentos, mantendo o rio livre de contaminantes, mas também cria um corredor de vida selvagem entre a floresta e uma reserva protegida pelo estado. E a vida selvagem está retornando rapidamente à área. Foram avistados lobos-guará, javelinas, tamanduás-bandeira, emas, seriemas e pelo menos um puma esquivo patrulhando a floresta.
O consenso sobre como restaurar e onde, surgiu por meio de debates e discussões entre Moraes, Wishnie - que iniciou sua carreira como cientista de restauração florestal no Smithsonian Institution - e outros líderes do projeto. Todos reconhecem que o “Projeto Alfa” é um experimento, que evoluirá ao longo dos 15 anos necessários para recuperar esse ecossistema negligenciado.
"Sabe, eu normalmente hesitaria em defender a regeneração natural como o principal método de restauração do Cerrado", disse Moraes, inclinando-se para trás no banco da frente do carro para se dirigir a Wishnie. "Mas isso é realmente convincente - o rápido ressurgimento da vegetação é notável."
"Sim, certamente pode ser uma parte, certo?" respondeu Wishnie. "Quando visitei essa propriedade pela primeira vez, fiquei entusiasmado porque essa não é uma visão que se encontra em todos os lugares. É inegável que a natureza está recuperando essa terra."
"Mas ainda temos que lidar com a braquiária", acrescentou Moraes.
O “PROJETO ALFA” TORNOU-SE UM REFÚGIO PARA A VIDA SELVAGEM, COMO AS SERIEMAS, UMA AVE IMPRESSIONANTE NATIVA DO CERRADO. © WILL TURNER
Muitas das discussões de Moraes e Wishnie estão centradas nesse desafio. Eles passaram horas discutindo com entusiasmo uma série de opções para superar o capim - desde o pastoreio do gado até herbicidas. Eliminar a infestação de braquiária é crucial não apenas por ser uma espécie exótica, mas porque ela exerce um efeito alelopático, inibindo a germinação de outras espécies. É possível que sementes de plantas nativas estejam dormentes no solo, incapazes de florescer até que a grama seja eliminada.
Além de combater a braquiária, o TIG iniciou uma série de programas de monitoramento para acompanhar de perto as condições da propriedade. Esses programas incluem armadilhas fotográficas semestrais para a vida selvagem durante as estações seca e úmida, medições da qualidade da água, amostragem do solo para uma avaliação de carbono e planos para iniciar o monitoramento bioacústico - colocando microfones para ouvir a vida selvagem.
"Às vezes, as pessoas iniciam um projeto e discutem o monitoramento como se fosse uma tarefa futura", disse Will Turner, da Conservação Internacional. "Mas aqui eles têm programas de monitoramento já em execução e incluídos no orçamento antes de iniciar o projeto."
O TIG também está trabalhando para entender as condições de vida da população local na região, avaliando seu acesso a transporte público, assistência médica, educação e até mesmo serviço de telefonia celular. Mato Grosso do Sul é um estado enorme - do tamanho da Alemanha - mas tem uma população relativamente pequena de 2,7 milhões de pessoas, com aproximadamente 1 milhão residindo na capital, Campo Grande. Além dos centros urbanos, as comunidades dependem principalmente do pastoreio de gado para ganhar a vida. Entender as comunidades e seu relacionamento com a terra é fundamental para garantir que tanto a fazenda de silvicultura quanto os esforços de restauração beneficiem as pessoas da região.
Embora apenas algumas famílias vivam perto da propriedade, Moraes disse que não descarta a possibilidade de outras comunidades usarem a floresta. A floresta vizinha abriga quilombolas, uma comunidade afrodescendente que resistiu ao regime de escravidão que durou séculos no Brasil.
"Essas comunidades podem estar usando a área para coleta de sementes e outros usos", disse Moraes. Ele aponta para o potencial de desenvolvimento de um acordo de conservação com comunidades indígenas ou locais que utilizam a floresta - permitindo que elas compartilhem os benefícios do projeto, ao mesmo tempo em que preservam o modo de vida tradicional.
O futuro da silvicultura
Ao anoitecer, a caminhonete segue a estrada para deixar a propriedade, ladeada de um lado pelo Cerrado em regeneração e do outro pela fazenda de silvicultura.
"É natural que as pessoas sejam céticas e perguntem por que - por que precisamos plantar eucaliptos nesse antigo pasto?" disse Wishnie, apontando para a fazenda de silvicultura. "Por que não podemos simplesmente restaurar as florestas?"
"Quando a maioria das pessoas vê um campo de milho, soja ou trigo, elas reconhecem intuitivamente a necessidade de converter a terra em monoculturas exóticas para alimentar a população. No entanto, uma fazenda de silvicultura geralmente evoca uma resposta mais emocional porque a demanda por esses materiais parece menos imediata e menos entrelaçada com nossas vidas diárias."
UMA EMA, UMA AVE QUE NÃO VOA CONHECIDA COMO AVESTRUZ SUL-AMERICANA, MOVE-SE ENTRE AS PLANTAÇÕES DE EUCALIPTO. © WILL TURNER
Mas o mundo está usando mais madeira do que nunca. Nos últimos 30 anos, o comércio global de produtos de madeira aumentou 143%, sem sinais de desaceleração. Para atender a essa demanda, serão necessárias novas fontes de madeira cultivada de forma sustentável.
"O eucalipto apresenta uma alternativa viável", disse Biderman, da Conservação Internacional. "No Brasil, a alternativa é a madeira proveniente ilegalmente da floresta amazônica. Hoje, não podemos mais nos dar ao luxo de um debate prolongado. O eucalipto de fato tem um papel a desempenhar, quando cultivado de forma responsável."
Para isso, a colaboração entre a Conservação Internacional e o TIG pode oferecer um modelo de como as empresas sustentáveis podem se tornar parte integrante da conservação da natureza.
"Não pretendemos que essa seja uma solução universal", disse Wishnie. "Mas nosso compromisso é fazer com que ela seja bem-sucedida aqui. Nunca saberemos o que é possível se não dermos esse passo e tentarmos."
Will McCarry é redator da equipe da Conservation International.