Nota do editor: de "adaptação climática" ao "carbono azul", da "abordagem da paisagem" aos "serviços do ecossistema", o jargão ambiental está em toda parte nos dias de hoje. Na série que chamamos “O que é?”, a Conservação Internacional procura explicar o significado de expressões que fazem parte do diálogo no mundo ambiental.
Neste post, vamos falar sobre o “capital natural”, um conceito que pode revolucionar a maneira como a natureza é protegida.
O que é "capital natural"?
É o estoque de recursos naturais renováveis e não renováveis (por exemplo, plantas, animais, ar, água, solos, minerais) que quando combinados proporcionam benefícios às pessoas.
De que tipo de benefícios estamos falando?
O ar que respiramos, a água que bebemos, os alimentos que ingerimos, a vida selvagem que mantém ecossistemas saudáveis, as florestas que absorvem carbono da atmosfera e regulam o clima - tudo isso vem da natureza.
Então o capital natural é simplesmente "coisas da natureza"? Isso parece bastante amplo.
Aqui outra maneira de analisar: imagine que a natureza é um fundo de investimento e que os seres humanos são os beneficiários. Os seres humanos vivem dos “juros” que o fundo fornece - ar, água, matérias-primas, armazenamento de carbono e sua capacidade de regular o clima e mitigar inundações, e assim por diante. Se os humanos continuarem usando deste capital de forma não sustentável – acabando com florestas, por exemplo, teremos juros decrescentes desses investimentos, sem nem analisar a capacidade dele de continuar a fornecer benefícios a longo do tempo.
Isso faz sentido como uma ideia, mas o que significa na prática?
Primeiro, você precisa identificar quais de nossas dependências mais importantes (os benefícios em que confiamos) são da natureza e qual o impacto que temos nos ecossistemas que nos geram esses benefícios. Isso geralmente exige uma compreensão de quais são esses benefícios (ou impactos), quem se beneficia deles, com quais objetivos e como esses benefícios chegam a usuários diferentes.
Uma grande quantidade de capital natural está nos trópicos - é onde estão os maiores repositórios naturais de carbono, vida selvagem e água doce do mundo (florestas tropicais, pântanos e outros). Isso representa grande parte do "fundo de investimento" a partir do qual podemos identificar como os juros vão para uma variedade de usuários. Conhecer o tamanho dos estoques e o fluxo dos juros ao longo do tempo para cada usuários - informações que podem ser coletadas - é fundamental para descobrir o valor dos benefícios e dos estoques que temos. Por fim, a análise visa ajudar os construtores de políticas e tomadores de decisão a entender melhor o papel crítico da natureza no desenvolvimento econômico e informar sobre decisões políticas e escolhas de gerenciamento pelos setores público, privado e financeiro.
Colocar um valor na natureza - isso parece meio frio, não é?
"Historicamente, ignoramos os benefícios [da natureza] e o valor que ela fornece à sociedade", diz Rosimeiry Portela, economista ecológica do Moore Center for Science da Conservação Internacional. "Esses benefícios foram tidos como garantidos - e os estamos usando a uma taxa que a Terra não pode reabastecer".
Em um mundo de recursos finitos, diz ela, muitos vêem a valoração dos benefícios que a natureza nos oferece como uma maneira de tornar visivel a contribuição da natureza para os meios de subsistência e para as economias. Isso pode gerar informações e levar a escolhas mais sustentáveis, incluindo a conservação baseada no mercado, que pode ser crucial para proteger a natureza do consumo indiscriminado. Indivíduos, negócios e sociedade dependem e impactam a natureza; portanto, ao estabelecer o valor da natureza, podemos promover esforços para levar em consideração os seus benefícios e garantir seu fluxo contínuo ao longo do tempo.
Então, por que uma empresa iria querer "contabilizar" o valor do seu capital natural?
Para criar valor e crescer, toda empresa precisa ser eficiente e tomar decisões melhores - e se você não estiver incorporando o capital natural na tomada de decisão, poderá perder oportunidades.
Um exemplo: você é uma empresa de café que precisa de uma fonte constante e sustentável de grãos de alta qualidade - e, para isso, depende da água e polinização do habitat exigido pelas lavouras de café. Se seus fornecedores na América Central degradam esses habitats - ou se as mudanças climáticas alteram como ou onde suas lavouras de café podem crescer - a qualidade ou a quantidade de seu suprimento pode sofrer, ou você pode afastar consumidores que desejam um produto que não cause desmatamento. Esses são riscos que podem prejudicar seus resultados.
Entendi. Mas como se quantifica o valor da natureza em um negócio?
É necessário algum tipo de sistema padronizado que pode ser aplicado de forma genérica - em qualquer setor comercial, em qualquer região, a nível. É aí que entra o Protocolo do Capital Natural.
O que é o Protocolo do Capital Natural?
O Protocolo é uma nova estrutura projetada para ajudar a gerar informações confiáveis e que podem ser acionadas para ajudar as empresas a medir e valorizar seus impactos e dependências do capital natural, permitindo que, em essência, integrem a natureza as suas operações. Desenvolvido em conjunto pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, Conservação Internacional, União Internacional para Conservação da Natureza e outros, o Protocolo já conta com o apoio de 50 grandes empresas, incluindo Coca-Cola, Dow, Hugo Boss, Kering, Nestlé, Roche, Shell e outras.
Me dê alguns exemplos de empresas que estão valorizando o capital natural.
Um componente-chave do capital natural - a água - oferece alguns exemplos interessantes. A Puma, fabricante de roupas esportivas, mediu o impacto do uso da água em toda a cadeia de suprimentos, desde suas próprias operações até a produção de matérias-primas. Ser capaz de medir e monitorar o capital natural em que se baseia está ajudando a Puma a reduzir seu impacto ambiental, incluindo o trabalho com seus fabricantes sobre responsabilidades e custos associados ao uso da água e o uso de novos materiais e produtos que são mais eficientes em termos de água.
Para a Coca-Cola, a escassez de água é uma dependência claramente natural do capital e representa um risco para o seu modelo de negócios. Como resultado, a empresa se esforçou para medir a água que retorna ao meio ambiente, além de melhorar a maneira como gerencia a água e conserva os ecossistemas de água doce. A Coca-Cola tem um objetivo ambicioso de reabastecer com segurança a quantidade de água que usa em suas bebidas até 2020; até o final de 2012, havia reabastecido mais da metade da água utilizada.
Como as empresas usariam esse Protocolo de Capital Natural?
O Protocolo – disponível em inglês no site naturalcapitalcoalition.org/protocol - descreve como identificar, medir e valorizar as partes da natureza nas quais as empresas confiam e impactam.
"É uma estrutura muito pragmática que pode ser usada por qualquer empresa, em qualquer região ou setor, para melhorar a tomada de decisões", diz Portela. Um indicador da relevância desse tipo de estrutura, diz ela, é o fato de que alguns métodos originalmente usados para medir o impacto nos negócios e a dependência do capital natural já foram disponibilizados através do Protocolo e podem ser usados por empresas que buscam entender melhor e gerenciar suas interações com a natureza.
O que acontece depois?
Portela diz que os defensores do Protocolo estão confiantes de que mais empresas verão que é interessante para elas entender seu impacto e dependência da natureza.
"Este é um movimento global de empresas, universidades, organizações sem fins lucrativos e outras iniciativas que estão se unindo, na esperança de fornecer um caminho importante para que as empresas sejam melhores administradores da natureza".
Tradução feita por Inaê Brandão, coordenadora de comunicação da CI-Brasil.