Pesca artesanal e resiliência: pescadoras de Belmonte enfrentam desafios da crise climática

outubro 16, 2024

Pesca artesanal e resiliência: pescadoras de Belmonte enfrentam desafios da crise climática

 

Todos os anos, em meados de agosto, as pescadoras de Belmonte, na Reserva Extrativista Marinha de Canavieiras, litoral sul da Bahia, se preparam para a aguardada temporada de pescadinha, um dos peixes mais requisitados pelos restaurantes e hotéis da região. Este ano, porém, o cenário é desafiador: já falta pescada nos cardápios. "Estamos em outubro e nossa pesca está muito fraca. O mar está grosso, o vento soprando de leste, e nossas embarcações não conseguem sair", relata Pedrina Rodrigues, secretária da Associação das Marisqueiras e Pescadoras de Belmonte (AMPB). 

Pesquisas recentes da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) revelam que os oceanos já absorveram mais de 90% do calor gerado pelo aquecimento global nos últimos 50 anos. O novo relatório “Riscos de Mudanças Climáticas para Ecossistemas Marinhos e Pescarias”, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) prevê que, se continuarmos aumentando a temperatura média global, até o final do século, o volume de recursos pesqueiros no oceano pode reduzir em 30% ou mais, em 48 países.

A pesca artesanal tem um papel essencial para diversas comunidades tradicionais brasileiras, sendo uma atividade enraizada na preservação de culturas e modos de vida que atravessam gerações. Mais do que abastecer moradores e turistas com pescado e frutos do mar frescos, ela sustenta tradições ancestrais e fortalece a economia local, tornando-se aliada do turismo responsável. Mas esse patrimônio cultural e econômico está seriamente ameaçado pelas consequências das mudanças climáticas e de outras intervenções humanas.

Nos últimos anos, a Reserva Extrativista Marinha de Canavieiras, que abrange cerca de dez mil hectares de manguezais e estuários, essencial para a subsistência das comunidades locais, tem sofrido com uma série de problemas: enchentes, derramamento de petróleo, assoreamento do Rio Jequitinhonha e, sobretudo, os efeitos da crise climática. "Os siris, que chamamos de cavaquinha, desapareceram da nossa região. Houve uma grande mortandade de ostras e o mexilhão só está começando a voltar agora. O assoreamento do rio reduziu muito as espécies de peixes, principalmente o robalo", conta Pedrina, filha de pescadores e marisqueiras, que testemunha essas transformações de perto ao longo dos anos. "O tempo é nosso aliado e com o tempo ruim, não conseguimos trabalhar. Nós dependemos da natureza. Todos nós somos natureza", reflete a pescadora.

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), “pescadores de pequena escala são particularmente vulneráveis ​​às mudanças climáticas, devido à sua localização geográfica e sua situação de pobreza. Por estarem localizadas na costa, as comunidades pesqueiras estão expostas a eventos extremos relacionados ao clima e riscos naturais, como furacões, ciclones, elevação do nível do mar, acidificação do oceano, inundações e erosão costeira”.

Quando as pescadoras são mulheres, os desafios se intensificam. Um relatório do Women in Finance Climate Action Group revela que 8 em cada 10 pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são mulheres. "Nós, mulheres, temos que cuidar da casa, das crianças, e muitas ainda querem estudar. Não podemos ir longe para pescar", explica Pedrina. "Antes, conseguíamos trabalhar com qualquer maré, alta ou baixa. Agora, com o assoreamento do rio, isso se tornou impossível".

Apesar do cenário desafiador, a força e resiliência mantêm as pescadoras da Associação das Marisqueiras e Pescadoras de Belmonte firmes, sempre inovando e se adaptando. Em 2019, elas deram um passo importante ao fundar a Sustentamar, uma unidade de beneficiamento de pescado que se tornou a realização de um sonho e símbolo de superação.

"A cada dia, seguimos nos reinventando", afirma Pedrina. "Deus nos deu sabedoria e a unidade de beneficiamento nos permite explorar novas maneiras de sustentar nosso trabalho. Quando os peixes são escassos, nós aproveitamos para produzir subprodutos como bolinhos, hambúrgueres e pratos típicos. Além disso, começamos a promover vivências para conscientizar as pessoas sobre a importância da natureza para os povos tradicionais e como somos os primeiros a sentir os impactos da sua degradação". As pescadoras e marisqueiras de Belmonte se tornaram importantes guardiãs do conhecimento local e são essenciais para a preservação dos ecossistemas costeiros no litoral sul da Bahia.


 

Contatos para imprensa

Inaê Brandão – Coordenadora de Comunicação
ibrandao@conservation.org
Tel: +55-95-98112-0262